Ser gentil faz diferença
Capaz de trazer felicidade e de proteger o grupo, os efeitos e motivos da gentileza são cada vez mais validados pela ciência Verônica Mambrini, iG São Paulo | 07/02/2011 08:30
Gabriela Bianco viu o stress na estrada se transformar em cooperação e diversão após uma gentileza
Quando menos esperava, a publicitária Gabriela Bianco, 33 anos, se viu no meio de uma epidemia de gentileza. “Estava em um congestionamento monstruoso, daqueles quando a gente está indo para praia no feriado”, diz. A cena era infernal: trânsito parado, calor, pessoas irritadas, buzinando, xingando, tentando ultrapassar pelo acostamento. Gabriela estava presa no carro com a mãe e a avó, as três de mau humor. Até que alguém olhou além do próprio incômodo e mudou tudo.
“Uma senhora saiu do carro ao lado com um isopor de cheio de latas de refrigerante. Ela começou a distribuir, dizendo ‘está derretendo o gelo, toma um guaraná. O trânsito está ruim, mas não tem o que fazer”, conta a publicitária. Ao ver a gentileza da colega de congestionamento, a avó de Gabriela lembrou que tinha frutas. Apareceu alguém com biscoitos. Outro ligou música altas. Logo todos começaram a trocar comidas e bebidas – um piquenique improvisado no meio da estrada.
“Não que o trânsito tenha andado, mas o clima melhorou mil por cento com a fofura daquela senhora que saiu distribuindo seus refrigerantes”, diz Gabriela. O que seria mais uma história de stress virou uma anedota, uma lição e uma tarde agradável.
Talvez você sinta que é difícil arrumar tempo na agenda para ajudar vítimas de tragédias, ou dispor de espaço e tempo para abrigar um gato abandonado. Poucos têm recursos financeiros para ajudar aquele amigo superdedicado que foi despedido a pagar a mensalidade da faculdade, até que ele arrume um novo emprego. Mas ser simplesmente gentil não custa nada. e só demanda perceber a necessidade do outro e tomar a iniciativa. O resultado dessas pequenas ações, garantem os pesquisadores, vai além do que os olhos podem ver.
O que explica
O impulso de ser gentil ou altruísta é natural ao ser humano e um importante mecanismo evolucionário, de acordo com o professor de ciência comportamental Samuel Bowles, do Instituto Santa Fé, nos Estados Unidos. Bowles está lançando “A Cooperative Species – Human Reciprocity and its Evolution” (ainda sem editora no Brasil), livro em que afirma que o ser humano é cooperativo em sua essência. “Quando grupos cooperativos se dão melhor na disputa com outros ou sobrevivem melhor a crises ambientais, o resultado é uma espécie cada vez mais colaborativa”, disse ao iG. Ele defende que mesmo arcando com um custo pessoal, a ser humano tende a ser gentil por conta dos sentimentos de orgulho e satisfação – uma recompensa estratégica para a gentileza e para o altruísmo.
As fronteiras entre gentileza, generosidade e compaixão são nebulosas. “Elas se complementam”, afirma a psicóloga Cecília Zylberstajn. “Compaixão é um sentimento. Gentileza é uma forma de se comportar, um ato. A solidariedade é valor”, afirma a psicóloga. “A pessoa gentil precisa saber observar, perceber a necessidade do outro e ter a iniciativa. Implica em perder um pouco do seu tempo e sair da sua rotina”. São comportamentos que mesmo quem já está acostumado a se dedicar ao outro precisa reaprender de vez em quando.
A ciência reforça que a gentileza compensa. De acordo com uma pesquisa da professora Sonja Lyubomirsky, da Universidade da Califórnia, praticar gestos de cortesia por dez semanas fez com que os participantes se sentissem mais felizes. Mais ainda: os que praticaram atitudes de gentileza variadas, como segurar a porta aberta para um estranho passar ou lavar a louça do colega de quarto, registraram níveis mais altos de felicidade do que quem repetiu o mesmo ato várias vezes. Diversos estudos ligam a oxitocina, um dos hormônios da felicidade, a atos de gentileza e altruísmo. Em um deles, Ernst Fehr, diretor do Instituto de Pesquisas Empíricas em Economia da Universidade de Zurique, demonstrou que o hormônio colabora na predisposição das pessoas em confiar dinheiro a estranhos, por exemplo.
A graça da gentileza é que ela é contagiosa, como mostra o caso do piquenique no congestionamento. “O maior benefício é essa capacidade de passar adiante, sem dúvida. O ser humano tem a crença do que você dá, você vai receber de volta”, afirma Cecília. Um estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences mostrou que quem se beneficia de um ato de gentileza, passa adiante para outras pessoas não envolvidas inicialmente no ato. A pesquisa se baseou um jogo entre pessoas desconhecidas que recebiam dinheiro em quantidades semelhantes e podiam – ou não – cooperar com outros jogadores. De acordo com o estudo, a generosidade de uma pessoa se espalhava para três outras pessoas e, em seguida, para nove pessoas com as quais estas três interagiam e assim por diante. O aforismo de que gentileza gera gentileza, portanto, é real.
Há outro benefício indiscutível que a psicóloga aponta: ser gentil aproxima as pessoas e as tira de seu isolamento, nem que seja apenas para trocar quitutes na estrada. “A gentileza cria uma conexão humana, por mais efêmera do que ela seja. A gente nunca sabe onde uma gentileza pode levar. Pode te mostrar amores, almas gêmeas, amigos”. Qual vai ser sua próxima gentileza?
“É questão de você fazer o que é importante para o outro, não o que é importante para você.”